Nunca vou me esquecer do dia em que “nasci” como mãe solteira... não que tenha sido a melhor experiência do mundo, mas a verdade é que ninguém está preparado para se ver sozinha diante de certas situações...e este dia foi, sem sombra de dúvidas, uma dessas.
Estava grávida, e como mãe moderna, cuidadosa e antenada que sou [ou gostaria de ser] fui fazer um curso para gestantes. Oferecido por uma grande companhia em que meu pai trabalhava, e dado em um hotel bacana localizado num dos bairros mais nobres da cidade, jamais poderia imaginar o que me esperava... ou melhor, poderia sim, se fosse um pouco mais esperta, pois logo ao me inscrever para o curso a recepcionista me perguntou o nome do pai. Prontamente retruquei: “mas eu só posso me inscrever se o pai também for participar?” E ela, meio contrariada: “Bom, seria interessante que o pai participasse, mas você pode colocar o nome de outro acompanhante e depois ver se o pai vai participar”. Ok, preenchi o formulário e coloquei o nome de uma amiga que vinha me dando muito apoio durante a gravidez [eu estava por volta do quinto mês].
É claro que enviei um email ao pai, convidando-o a participar. Não estou aqui para levantar nenhuma bandeira do tipo “Danem-se esses canalhas! Vamos conquistar o mundo sozinhas e provar que ser mãe solteira é o que há!!” Mas a resposta veio rápida, de que ele teria um outro curso no mesmo dia e não seria possível comparecer.
Bem, como disse, eu havia convidado uma amiga pra ir comigo, mas no dia [era um sábado ou domingo] fiquei sem graça de pedir apoio, queria mostrar que eu era independente, segura, e caí na “besteira” de ir sozinha. Logo ao chegar, percebi o “clima”: duas simpáticas atendentes portavam uma lista de inscritos, com nomes dispostos dois a dois. Sorridente, dei o meu nome, e informei que estava sozinha. Fingi não ter percebido o olhar delas, e ao reparar em minha volta, tudo o que eu via eram casais. Casais jovens, casais mais velhos, casais bonitos, casais feios, casais bem entrosados e casais de cara amarrada, casais casados, casais namorados, casais sei lá o quê, mas casais! TODOS estavam em pares.
Com o mesmo sorriso dado às recepcionistas, tentei disfarçar minha cara de “quero sumir daqui!” e dei alguns passos para trás, [ou melhor, fugi] em direção ao banheiro. Sentei no vaso, meio tremula, meio rindo de minha própria idiotice, e tentei ligar pra minha amiga, e pra outra, e pra outra, mas não tinha sinal. Droga de celular! Tentei ser otimista, devia ser um sinal dos céus, do tipo “você precisa encarar isso”. No mesmo instante me dei uma bronca mental “Não seja ridícula, como é que você vai criar sua filha se não pode encarar essa situação? Você está grávida, é jovem, bonita, e está sozinha. Pronto, como milhares de milhares de mulheres por esse Brasil e pelo mundo.“ Beleza. A bronca surtiu efeito, saí daquele banheiro mais forte como nunca e me sentindo a mais foda de todas as grávidas ali presentes, pois eu era capaz, e muito capaz, de ser mãe sem depender de nenhum bosta como muitos que ali estavam.
Ao entrar na sala: as cadeiras e mesas estavam posicionadas em fileiras, aos pares, com um crachá azul em uma mesa e outro crachá rosa, na outra. Tudo muito óbvio, brega... e preconceituoso!! Ali eu me sentia no alvo. Entre as três fileiras duplas que ocupava o auditório, a única cadeira vazia era a que estava ao meu lado. Percebi, sim, vários olhares de pena ou nem sei de quê, como se as pessoas se perguntassem “nossa, coitada, mas não tinha ninguém pra vir com ela?!”. Beleza! Juntei os caquinhos da minha dignidade e me mantive firme e forte.
O curso começou. Excelente. Alto nível. Profissionais das mais variadas especialidades em palestras curtas e objetivas, trazendo informações interessantes para as futuras mães. Ouvia a tudo com atenção, anotava algumas coisas que poderia consultar depois, e agradecia a Deus por cada mito quebrado e cada crendice sem sentido que estava sendo ali destruída. Eu não precisaria colocar pós de café no umbigo da minha filha, muito menos moeda [UFA! Não e que eu estava quase pensando em fazer isso?! Rs..]
De acordo com os anestesistas, obstetras, odontopediatras, enfermeiras e demais profissionais que ali palestravam, meu parto [normal, obviamente, porque eu era a fodaa] seria tranqüilo e cuidar de um bebê seria bem mais simples do que qualquer um havia me dito.
De vez em quando me pegava observando a gordinha dos pés inchados, com o barrigudinho dela ali de mãos dadas, ou o casalzinho que aparentava ter 16 anos de idade e a menor noção do que estava por vir. Ela podia ser feia, ele podia estar desempregado, mas os dois estavam ali, juntos, e isso me causava certa inveja..
A coisa começou a ficar feia quando reparei que durante todas as palestras eles diziam “agora o esposo vai dar o banho no bebê”. Puts, achei que só ser pai já fosse o suficiente, mas agora então o sujeito tinha que ser “esposo”? E se fosse noivo, então ele não poderia dar o bendito banho, minha gente? E quem estava só ficando, mas engravidou, o que que faz? Achei constrangedor, e desnecessário, mas bola pra frente, afinal, o curso duraria o dia inteiro...
Em alguns momentos, perguntas dirigidas aos “esposos” futuros papais, um pedido para mostrarem como se deve pegar o bebê, ou como aliviar as dores da mamãe...mais constrangimento, mas nada que uma saidinha estratégica para ir ao banheiro não resolvesse. Afinal, grávida faz xixi toda hora mesmo, não é?
Intervalo para almoço. Hum...delícia...no restaurante do hotel, uma variedade enorme de pratos com carnes, massas, peixes, saladas, tudo cheiroso, bonito e bem servido, para agradar aos gostos e desejos de todas as grávidas...e que sorte a minha! Recebo uma ligação de uma amiga (não a que me acompanharia inicialmente, mas também muito amiga). Fraquejei e falei “vem me salvar!”.
E ela foi. Chegou a tempo de almoçar comigo e mudar meu astral...
Novamente acho que Deus sabe muito bem o que faz, pois para a segunda parte do curso minha amiga foi fun-da-men-tal! Não digo para meus aprendizados como gestante naquela tarde, mas sim para minha sanidade mental. Foram sessões e mais sessões de massagens nas costas, dinâmicas de dupla [digo, de casal, ou melhor ainda “esposo” e “esposa”], e outras atividades desnecessárias e constrangedoras que me mostraram que minha amiga foi para mim e para meu bebê, naquela tarde, o melhor pai do mundo!!!
Obviamente que não pude deixar de encher o formulário de avaliação do curso com críticas a este formato antiquado e preconceituoso, lamentando o fato de um curso de padrões tão altos e com excelência de informações não se antever aos imprevistos da vida e às diferentes formas de família que surgem hoje.
Para finalizar, houve um sorteio de brindes como encerramento do curso [super presentes, eu diria, carrinhos, bebês conforto, berços, books fotográficos em estúdios renomados da cidade, decoração para o quarto, entre outros]. Os prêmios eram ótimos e em quantidade que todas as mamães sairiam dali com algo bacana para seu filho. Eu fui sorteada e ganhei um carrinho, de uma marca muito boa e como eu ainda não tinha, fiquei muito feliz. Ao subir o tablado para receber o prêmio, tive que ouvir do simpático senhor que segurava o microfone: “Cadê o papai para ajudar a carregar o carrinho?” Farta de todas as pequenas indelicadezas que já havia presenciado aquela tarde, respondi em alto e bom som [e quase que sem pensar]:
- NÃO TEM PAI!!!
Mas tinha sim, e naquela tarde era a minha amiga, que correu pra me ajudar a segurar o prêmio, e me ajudou a aprender a maior lição daquele curso: não é possível fazer filhos sem um “pai”, mas é sim possível se virar sem eles!
Fui embora feliz da vida com meu carrinho de bebê, minha dignidade intocada, e com a sensação de que algo em mim tinha mudado...e mudou mesmo. A partir daquele dia, tive a certeza de que não seria fácil, mas que valeria a pena encarar o desafio. E foi esse o dia em que eu “nasci” como mãe solteira!